"O Deserto de Akin": cinema de silêncios e pertencimento
- Carlos Mossmann
- há 2 dias
- 3 min de leitura
Um filme que transforma gestos e silêncios em poesia, explorando pertencimento, exílio e a delicadeza do humano

Há filmes que não gritam, mas murmuram. "O Deserto de Akin", de Bernard Lessa, é um desses. Sua estreia, marcada para 31 de julho, traz uma narrativa delicada e profunda sobre pertencimento, acolhimento e as travessias silenciosas que nos transformam. Inspirado por histórias reais do Programa Mais Médicos, o longa nos conduz ao litoral do Espírito Santo, onde Akin, um médico cubano, chega em busca de raízes e refúgio. Aqui, longe do barulho dos grandes centros, a vida se desenha no ritmo do mar, nas mãos que aprendem a confiar e nos gestos carregados de significado.
Tive o privilégio de assistir ao filme na cabine de imprensa virtual organizada pela Primeiro Plano, uma experiência que me permitiu adentrar, com antecedência, na sensibilidade dessa obra que ecoa tanto sobre o Brasil quanto sobre nossas próprias buscas internas.

O contexto político, marcado pela eleição de Jair Bolsonaro e o fim do Programa Mais Médicos, está presente, mas não de forma barulhenta. Ele se insinua nos olhares, no silêncio e na tensão do cotidiano. Como artista visual, percebo que, na subjetividade dos gestos e na quietude das relações, existe um grito da alma que carrega o assombro de um desgoverno, além das muitas feridas que ele deixou abertas em tantos de nós. O filme não só toca essas marcas como permite que elas respirem e sejam sentidas sem pressa.
Reynier Morales, em uma atuação de rara sensibilidade, dá vida a Akin de forma contida e poderosa. Seus gestos e olhares dizem mais do que palavras. Ao lado de Érica, interpretada por Ana Flavia Cavalcanti, e Sérgio, vivido por Guga Patriota, ele aprende uma nova linguagem: a do cuidado que nasce no silêncio e do afeto que se constrói no tempo. É nos pequenos momentos, que o filme floresce, permitindo que a emoção brote de forma orgânica e quase palpável.

A câmera de Bernard Lessa mantém uma distância respeitosa, como se escutasse os personagens em vez de invadi-los. Cada cena é uma pintura ou uma poesia visual que valoriza a simplicidade do cotidiano, enquanto o pano de fundo político amplifica o sentimento de exílio, instabilidade e resistência.
Em tempos de estrondos inflamados e divisões profundas, "O Deserto de Akin" nos convida a pausar e a escutar. É um cinema da escuta e da delicadeza, que nos lembra de algo fundamental: além de nossas diferenças e muros invisíveis, há um desejo universal de pertencer, de amar e de ser acolhido. Este é um filme que fala de desencontros e laços, de exílio e reencontro, de feridas e de esperança.

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