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Cartas a um jovem poeta - Rainer Maria Rilke

Viver as perguntas: aprendizados de Rilke para minha vida e pesquisa

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Foi em 2012, no segundo ano da Universidade, que encontrei Rainer Maria Rilke, e sua obra transformou para sempre minha perspectiva sobre arte, escrita sensível, vida e solidão. Em Cartas a um Jovem Poeta, Rilke responde a Franz Xaver Kappus, um jovem aspirante à poesia, oferecendo conselhos sobre criação artística e reflexões sobre a vida. Naquele momento, enquanto me aventurava pelas Artes Visuais da FURG e descobria os mistérios da vida adulta, minha prima Marcely, minha parceira em tantas aventuras artísticas, com sua delicada intuição, colocou em minhas mãos esse livro.


Sendo uma pessoa extremamente visual, lembro-me de ter ficado fascinado pelo título e pela capa azul, adornada por letras amarelas e a ilustração de um poeta clássico escrevendo. Desde as primeiras páginas, fui arrebatado por uma obra que parecia sussurrar verdades profundas e atemporais. As palavras de Rilke ressoavam dentro de mim com uma sensibilidade incomum, uma coragem silenciosa e um afeto quase sagrado.


A obra consiste em um conjunto de correspondências trocadas entre Franz Xaver Kappus, um jovem poeta dividido entre a literatura e a carreira militar, e Rainer Maria Rilke, o renomado escritor tcheco. Entre 1903 e 1908, Rilke escreveu dez cartas, cada uma delas carregando uma profundidade quase abissal, como um oceano de ideias e sentimentos. Após sua morte, essas cartas foram reunidas e publicadas, consolidando-se como um farol atemporal para gerações vindouras. No entanto, o que Rilke oferece a Kappus vai muito além de conselhos sobre o fazer artístico. Suas palavras são sementes de sabedoria, destinadas a germinar reflexões sobre a existência, o autoconhecimento e o desafio de viver de forma genuína e plena.


Naquela época, um dos temas que mais ecoou em mim foi o convite a voltar-se para si mesmo. Como jovem, vivia cercado por dúvidas e incertezas, e lidar com a solidão era um desafio constante. Para ser honesto, rejeitava a ideia de estar ou me sentir sozinho. Rilke falava de buscar a profundidade das coisas, algo que parecia ao mesmo tempo um desafio e um chamado. Ele ensinava a não ser tão obstinado na procura por respostas, a abraçar o isolamento, a aceitar o difícil e rejeitar o fácil, e a acolher a tristeza como uma força transformadora. Hoje, considero sublime transformar sentimentos difíceis e dores persistentes em arte. Essas palavras me acolheram como um bálsamo, ajudando-me a encontrar sentido mesmo nos momentos mais sombrios da existência.


Lembro que o trecho que mais me marcou foi: "Tenha paciência em relação a tudo o que ainda há de insolúvel em seu coração e tente amar as próprias dúvidas como se fossem aposentos trancados ou como livros escritos em uma língua estrangeira. Não procure agora pelas respostas que não podem ser dadas, porque ainda não poderia vivê-las. Trata-se aqui de viver tudo. Viva agora as dúvidas. Talvez, aos poucos, em algum dia distante, sem perceber, você acabará vivenciando as respostas."


Naquele momento, essas palavras me acertaram em cheio. Silenciava muitas dúvidas: minha sexualidade, problemas familiares não resolvidos, a incerteza do futuro e o desejo de encontrar meu lugar no mundo. Era como se Rilke estivesse me dizendo que tudo isso fazia parte do processo e que, como uma semente, eu precisava de paciência para germinar e florescer no futuro.


Treze anos se passaram, e muita coisa mudou. Hoje, muitas respostas já me foram dadas, enquanto outras ainda permanecem no campo do desconhecido. Sinto-me mais forte e maduro, mas, sobretudo, aprendi a conviver com as perguntas que continuam sem respostas. Hoje, como pesquisador e estudante de mestrado, vejo na solidão uma aliada, não mais um motivo de medo.


A pesquisa, com suas leituras intermináveis, críticas constantes e reescritas incessantes, revela-se um processo profundamente solitário. Muitas vezes, enfrento a insegurança de sentir que nada está bom o suficiente ou o medo do julgamento alheio. Nesse contexto, outro trecho de Rilke me vem à mente:


"O senhor me pergunta se seus versos são bons. E pergunta a mim. Antes já perguntou isso a outros. Está olhando para fora de si, e é justamente isso que não deveria fazer agora. Volte-se para si. Examine as razões que o impelem a escrever; observe se elas estendem raízes no ponto mais profundo de sua alma; confesse a si mesmo se acabaria morrendo caso fosse impedido de escrever. Tenho necessidade de escrever? Escave bem fundo em si mesmo em busca da resposta. E, se ela for afirmativa, se o senhor reagir a essa questão séria com um forte e simples 'tenho', então adeque a vida de acordo com essa necessidade. Sua vida tem de se tornar, até mesmo nos momentos mais indiferentes e insignificantes, um sinal e um testemunho desse ímpeto."

Essas palavras me ensinaram a encarar a pesquisa não como uma obrigação acadêmica, mas como um processo de criação e entrega. Tento, a partir dos ensinamentos de Rilke, viver a pesquisa em suas diversas fases: as leituras demoradas, as pausas necessárias, a imersão etnográfica genuína e os aprendizados ancestrais compartilhados com a Mestra Tatá. Percebo que, mesmo com os prazos impostos, é possível encontrar beleza e sensibilidade no processo, sem me consumir pelo perfeccionismo ou pelo medo do julgamento externo.


Hoje, ao reler essa obra-prima em uma versão ilustrada belíssima da Antofágica, vejo que Rilke não me ensinou apenas sobre arte ou solidão, mas sobre a coragem de enfrentar a vida com profundidade e autenticidade. Suas cartas, pequenas em número, mas infinitas em significado, oferecem conselhos que transcendem barreiras de tempo e identidade. Elas são um guia para quem busca viver intensamente, seja como artista, escritor, pesquisador ou simplesmente como ser humano.


A maior lição que carrego é que a pesquisa, assim como a vida, é um processo contínuo de questionamento, descoberta e transformação. Talvez, como Rilke sugere, o mais importante não seja encontrar respostas definitivas, mas viver intensamente as perguntas.


Afinal, viver intensamente as perguntas é o que nos torna verdadeiramente humanos.

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