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Esquecidos

Um livro que escancara a realidade dos invisíveis nas ruas, misturando poesia e fotografia para provocar reflexão e mobilizar olhares atentos à exclusão social


Capa do livro “Esquecidos”, de Hugo Bengtsson Neto }  Foto: Carlos Mossmann
Capa do livroEsquecidos”, de Hugo Bengtsson Neto } Foto: Carlos Mossmann

O que vemos quando cruzamos com alguém invisível? “Esquecidos”, de Hugo Bengtsson Neto, enviado pelo Grupo Editorial Quixote (Quixote & Ophelia), não permite que desviemos o olhar. É uma obra capaz de desconcertar, de provocar uma inquietação necessária em quem vê e lê.

 

Quando pensamos em poesia, imaginamos beleza, suavidade, sentimentos elevados. O próprio termo, que vem do grego poiesis, significa criação ou invenção e sugere algo delicado, feito para encantar. Mas, ao abrir “Esquecidos”, deparamo-nos com versos que rasgam, denunciam e não suavizam a dor nem escondem o descaso. Aqui, a poesia possui força suficiente para escancarar a indiferença, expor corpos e vidas descartadas e provocar desconforto.

 

A potência do livro não está apenas nas palavras, pois o diálogo entre poesia e fotografia amplia o impacto de cada página. As imagens, sempre em preto e branco, não apenas ilustram, mas ecoam e aprofundam o que os poemas sugerem. Essa escolha reforça a atmosfera de urgência e denúncia, tornando impossível permanecer indiferente ao que se vê e se lê. O projeto gráfico sóbrio contribui para uma experiência sensorial, envolvente e, na medida certa, desconfortável.

 

Vivemos um tempo em que a população em situação de rua cresce nas grandes cidades brasileiras, enquanto discursos de invisibilização se repetem diariamente. Nesse contexto, “Esquecidos” é mais do que necessário, pois o livro não só documenta, mas humaniza, trazendo à tona histórias que a rotina insiste em empurrar para as margens.

 

Capa do livro “Esquecidos”, de Hugo Bengtsson Neto }  Foto: Carlos Mossmann
Capa do livro “Esquecidos”, de Hugo Bengtsson Neto } Foto: Carlos Mossmann

Na contracapa, o autor afirma que esta é uma obra sobre lembranças. Embora o título remeta ao esquecimento, essa aparente contradição faz sentido, já que só conseguimos lembrar daquilo que, em algum momento, deixamos de enxergar. Dessa forma, a obra desafia o leitor a sair da zona de conforto, mostrando que o esquecimento é uma escolha social, frequentemente violenta.

 

É impossível não associar a leitura ao conceito de necropolítica, criado por Achille Mbembe. Para contextualizar, Mbembe, ao citar Fanon, explica como o poder da morte opera em sociedades marcadas pela exclusão. Nesse caso, a soberania é a capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é “descartável” e quem não é. Ele escreve: “Frantz Fanon descreve de maneira espantosa a espacialização da ocupação colonial. Para ele, a ocupação colonial implica, acima de tudo, uma divisão do espaço em compartimentos. Envolve a definição de limites e fronteiras internas, representadas por quartéis e delegacias de polícia; está regulada pela linguagem da força pura, presença imediata e ação direta e frequente; e isso se baseia no princípio da exclusividade recíproca. Todavia, o mais importante é o modo como o poder da morte opera: ‘A cidade do colonizado [...] é um lugar de má fama, povoado por homens de má reputação. Lá eles nascem, pouco importa onde ou como; morrem lá, não importa onde ou como. É um mundo sem espaço; os homens vivem uns sobre os outros. A cidade do colonizado é uma cidade com fome, fome de pão, de carne, de sapatos, de carvão, de luz. A cidade do colonizado é uma vila agachada, uma cidade ajoelhada.’”

 

O livro de Bengtsson Neto, ao expor corpos e vidas ignoradas, revela como nossa sociedade ainda compartilha essa lógica de compartimentação e exclusão, atualizando o que Fanon e Mbembe apontaram. Quem vive à margem é submetido a uma existência de invisibilidade e privação, marcada por fronteiras rígidas, sejam elas físicas ou simbólicas.

 

Entre tantos poemas marcantes, destaco um trecho que, para mim, resume o sentimento do livro:

 

à margem

escorrem

suor

lágrimas

sangue

em velhas imagens

perdido

em tempos

no tempo

em existências

uma angústia que não desce

uma ou várias

não sabe

que transforma em mágoa

que transforma em rancor

que transforma em ódio

prefere atirar pedras no espelho

esperando o tempo passar

conversando com ratos

na solidão voluntária

na noite

no dia

sem perceber o anoitecer

 

Capa do livro “Esquecidos”, de Hugo Bengtsson Neto }  Foto: Carlos Mossmann
Capa do livro “Esquecidos”, de Hugo Bengtsson Neto } Foto: Carlos Mossmann

Como ativista da causa animal e protetor no sertão do Ceará, outra cena do livro me atravessou: o amor incondicional dos animais, que não buscam riqueza nem conforto, apenas afeto. Animais que, por algum motivo, foram abandonados à própria sorte nas ruas e que encontram carinho e parceria entre aqueles que também foram deixados à margem. As fotografias mostram cães repousando ao lado de pessoas em situação de rua, partilhando cobertores, solidão e, sobretudo, cuidado mútuo. O olhar desses animais, assim como o dos humanos retratados, carrega uma esperança silenciosa e uma dignidade muitas vezes negada por quem passa apressado. Essa relação de afeto desinteressado revela que, mesmo nos contextos mais adversos, há espaço para o encontro, o cuidado e a criação de laços que desafiam a lógica do abandono. Essas imagens me tocaram profundamente. Escancaram uma verdade que tantas vezes ignoramos: nas ruas, enquanto muitos fecham os olhos para o sofrimento, animais e humanos se reconhecem e acolhem, partilhando o pouco que têm, e isso talvez seja o que mais nos humaniza.

 

Lendo “Esquecidos”, revisitei meus próprios silêncios e desconfortos. Quantas vezes, caminhando pelo centro da cidade, desviei o olhar para não ver o que o livro escancara? A obra me obriga a enfrentar a indiferença cotidiana e a repensar meu papel diante dessas realidades.

 

Capa do livro “Esquecidos”, de Hugo Bengtsson Neto }  Foto: Carlos Mossmann
Capa do livro “Esquecidos”, de Hugo Bengtsson Neto } Foto: Carlos Mossmann

Cada página convida a olhar além da indiferença, reconhecendo histórias e pessoas que insistem em existir, mesmo quando tentamos não ver. A leitura é, acima de tudo, um chamado à ação, começando por enxergar o outro com mais humanidade. Que esse seja apenas o primeiro passo.

 

E você, já se perguntou quem são os esquecidos à sua volta? Compartilhe suas reflexões, pois transformar o incômodo em consciência é o começo da mudança e, quem sabe, o despertar de novas atitudes.



Para mais informações e para saber como adquirir o livro, acesse:

 

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