Rico Manzano, produtor musical, é referência quando falamos de Lo-Fi no Brasil, um dos gêneros que mais cresceu durante a pandemia. O “Low fidelity”, origem do termo, é caracterizado pela leveza e simplicidade, com melodias suaves, geralmente livre de letras e com truques e efeitos sonoros que deixam a obra ainda mais interessante.
O artista explora a improvisação e a mistura de gêneros musicais dentro do próprio Lo-Fi, trazendo em suas composições referências ao hip hop, R&B, música tradicional, jazz e música eletrônica, com a brasilidade sempre presente. A partir de elementos do analógico e do digital, Rico mistura o orgânico com o eletrônico e beats com instrumentos em suas composições.
Em entrevista exclusiva para Yellow Mag, Rico contou um pouco mais sobre a sua trajetória na música, suas ideias e inspirações. Se interessou? Confira abaixo a íntegra da conversa:
Yellow Mag: Para começar, conta para gente como e quando começou a sua relação com a música. Em que momento decidiu fazer desse talento sua profissão?
Rico: Eu ganhei uma guitarra com 11 anos do meu avô. Na verdade, eu dividia essa guitarra com meu irmão mais velho e, desde então, nunca mais parei de tocar. Migrei para o violão aos 14 anos e depois comecei a tocar vários instrumentos, até chegar ao piano, teclados e sintetizadores por volta dos 23 anos. E, depois disso tudo, comecei a produzir, e encontrei aí não só uma grande paixão, mas um futuro mais palpável para mim na música.
Em meio a tudo isso eu acabei me formando em direito e, no meio da faculdade, aqui em São Paulo, consegui uma bolsa para estudar Ciência Política na Espanha. Lá, acabei tocando em vários bares e fui contratado por um banda espanhola para fazer 40 shows em 2 meses. Foi uma experiência muito massa, eu tinha só 21 anos, e foi nesse momento que uma chave em mim virou e pensei "sim, posso viver de música". E quando voltei para terminar a faculdade eu já sabia que minha vida seria na música. Logo que voltei para o Brasil passei no Conservatório de Música do Estado de São Paulo, comecei a tocar em várias bandas, e também comecei a produzir algumas trilhas sonoras. Ao decorrer deste tempo, eu me formei em direito e trabalhei com direito autoral. Eu tive uma vida paralela por alguns anos, advogado de dia e músico na noite e no final de semana. Até que, em 2015 consegui migrar exclusivamente para a música, produzindo trilhas sonoras e artistas e, também ,tocando com diversos artistas.
Yellow Mag: Como um novo artista, qual a sua maior dificuldade na música?
Rico: Acredito que a maior dificuldade para todos os novos artistas, hoje em dia, seja fazer a sua música chegar ao público. Temos duas formas básicas. Uma delas é a via digital e, a outra, a via física, em shows. Eu acho que a melhor forma do novo artista ganhar público é criando estratégias de comunicação, fazendo bons shows e tendo uma constância de lançamentos. Isso acaba fortalecendo uma base firme de público e, como a maioria dos novos artistas não tem investimento de fato, esse é um processo de médio e longo prazo. No meu caso, eu tive uma certa "aceleração" no meu caminho, porque já estava na cena trabalhando há um bom tempo, então já conhecia artistas, empresários, curadores e casas de show, e isso acabou me abrindo várias portas de forma mais rápida do que se fosse começar do zero.
Yellow Mag: Qual o seu processo de criação na hora de compor e também de produzir artistas?
Rico: Na verdade, meu processo com cada artista é único. Tenho alguns métodos na produção musical e processos fixos, não relativos à criação em si, mas em relação à finalização (mixagem e master). Como minha cabeça funciona muito como produtor, quando vou compor algo para mim, meio que a produção e arranjos já vão saindo tudo junto. É um processo rápido, até tipo uma catarse. Vem tudo de uma vez. E, aí, o processo de edição e finalização é realmente bem mais cauteloso. Mas, enfim, na parte criativa costumo ser bem livre e desprendido de ficar pensando muito em teoria musical. Vou escutando o que acho que faz sentido e dá vida para a música. Nesses momentos o que nos resta é confiar em nossos gostos.
Yellow Mag: De onde vem suas inspirações? Quais as suas referências?
Rico: Eu escuto realmente de tudo (risos). Como produtor me sinto nessa obrigação. Claro que tenho minhas preferências, mas eu curto muito ouvir música nova, recém lançada. Sou daqueles que escuta a mesma música 20 vezes no mesmo dia (risos). Já para meu som autoral, eu carrego algumas referências mais específicas. Como meu som tem uma forte influência do Lo-fi, e por este se tratar de um estilo musical, em tese, "novo", entendo que as principais referências sonoras relacionadas ao estilo de Downtempo e Trip Hop são Bonobo, J-Dilla e Nujabes. Mas eu bebo muito da fonte do R&b, Grooves e Hip Hop também. Então não poderia faltar Stevie Wonder, Sade, Erykah Badu, Jorja Smith, Greentea Peng, Thundercat, Anderson Paak Notorious Big, J Cole, Kendrick Lamar e por aí vai. E, claro, toda a minha vivência na música brasileira, com referências como Gilberto Gil, Djavan, João Donato, Criolo, Racionais e por aí vai também. No Pop em geral acabo me ligando muito em Doja Cat, The Weeknd, Dua Lipa, Lil NAS, e por aí vai também. A ideia do meu trabalho é unificar elementos orgânicos e eletrônicos, criando uma harmonia entre ambos, nenhum deles sendo o protagonista.
Yellow Mag: Como surgiu a ideia EP “Trop!cal Lo-fi”,foi um projeto totalmente independente?
Rico: O EP surgiu no meio da pandemia. Na verdade, minha carreira autoral como um todo surgiu no meio da pandemia. Eu estava com mais tempo disponível para trabalhar para mim mesmo e foi a primeira vez que vislumbrei que poderia ter um trabalho autoral. Como já estava muito conectado na cena dos beats, achei que meu trabalho autoral poderia seguir por essa via. Eu também estava lendo o livro "As Veias Abertas da América Latina" do Eduardo Galeano, e aquele livro mexeu muito comigo, todas as atrocidades que nosso continente latino americano sofreu ao longo do processo de colonização. Nesse momento, acabei juntando várias peças, e, principalmente, um tema que me interessava muito, que é nós brasileiros também nos identificarmos como latino americanos, inclusive demonstrando que na verdade o "tropical" não é apenas uma paisagem bonita, mas, sim, uma história marcada por muito sangue e luta. E, neste contexto todo, criar esse novo cenário musical, misturando o eletrônico com orgânico, os beats com instrumentos, e fazendo uma menção, em um álbum de música instrumental, porém extremamente político, a diferentes facetas do continente latino americano. Então, tenho músicas que fazem referência ao deserto do Atacama, à população originária da américa latina, às grandes megalópoles que temos por aqui, às comunidades e favelas e às belezas naturais do continente.
Yellow Mag: Quando irá lançar seu primeiro álbum?
Rico: Estou agora em um momento de muita produção. Vou lançar, na verdade, dois EPs ainda neste ano. Um deles é uma parceria musical e o outro um EP meu. Mas, desta vez, apenas com feats. O primeiro EP não teve nenhum feat. Fora isso, agora tenho trabalhado como intérprete. Mas o meu primeiro álbum, de fato, vem em 2023. A temática está pronta, a ideia também. Tenho tudo escrito, só falta começar a gravar. Mas, para isso, vou precisar de algum respiro, porque tudo voltou ao mesmo tempo e não está muito fácil de conciliar as coisas. Mas, com certeza, ano que vem, vem.
Yellow Mag: Existe algum momento que possa definir como o mais marcante na sua trajetória musical?
Rico: Eu acredito que um dos momentos de maior satisfação pessoal da minha vida foi ter realizado o primeiro show do meu projeto autoral em outubro/2021, logo na primeira reabertura da pandemia, na Vila Itororó (centro histórico de São Paulo). Inclusive era a abertura deste Centro. Foi um show muito lindo. Foram 500 pessoas, 200 ficaram para fora no dia. Lotou demais, foi uma loucura. O espaço é muito especial e casou perfeitamente com a temática do show. Tocamos em uma piscina vazia cheia de luzes com o público ao redor. Foi algo realmente épico. Esse show foi captado e filmado e me rendeu e rende frutos até hoje. Tivemos várias participações especiais e, naquela noite, eu me dei conta que tudo tinha valido a pena.
Yellow Mag: E, por fim, como você enxerga a sua carreira daqui 5 anos?
Rico: Eu projeto minha carreira como algo que vai se consolidar aos poucos, cada vez angariando melhores shows e realizando lançamentos mais potentes. Alcancei 850 mil plays nos streamings, minha meta é chegar nos 10 milhões daqui 5 anos. Acredito que meu show funciona bem em festivais, inclusive internacionais, então estou começando a mirar bastante nisso agora. Também estou preparando muitas músicas para lançar com cantores, o que pode atrair um novo público. Mas também quero continuar fazendo música instrumental, acredito que vou seguir as duas vias. Muita gente me dizia que eu teria que escolher entre ser produtor musical ou artista, e, hoje em dia, eu realmente sinto que cada vez mais essas duas funções são indissociáveis para mim e encontrei nesse caos todo um redutor de paz e satisfação pessoal.
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