Viagem ao Centro da Terra: A imaginação de Verne e as cores de Helena Obersteiner
- Carlos Mossmann
- 13 de jun.
- 5 min de leitura
Entre o fascínio pela ciência e a riqueza da criatividade, Viagem ao Centro da Terra é uma obra que continua a nos inspirar a explorar os mistérios do mundo, assim como de nós mesmos

Entre cogumelos gigantes, oceanos subterrâneos e criaturas pré-históricas, Jules Verne escreveu, em 1864, uma das maiores aventuras da literatura. Revisitar a obra, hoje, revela dimensões que vão além da aventura física e do desenrolar da narrativa. Sob as paisagens fantásticas e os eventos científicos especulativos, emergem reflexões sobre a curiosidade humana, a relação com a natureza e o confronto com o desconhecido, tanto externo quanto interno. Essa habilidade de Verne de criar narrativas que atravessam gerações continua a inspirar leitores de todas as idades. Um exemplo recente é a nova edição de Viagem ao Centro da Terra, da editora Antofágica, que reimagina o clássico por meio das ilustrações vibrantes de Helena Obersteiner. Com uma estética ousada e cores intensas, a artista recria as paisagens descritas por Verne, conectando o imaginário do século XIX ao olhar contemporâneo.
Essa nova edição contou com um processo criativo marcante, como explica Helena Obersteiner: "Diferente de algumas abordagens mais estruturadas, não fiz rascunhos prévios, e o trabalho foi acontecendo através de estudos a respeito do que era descrito no texto." Para trazer à vida os ambientes fantásticos de Verne, Helena utilizou materiais como lápis grafite, lápis de cor, canetinha e giz de cera, buscando criar uma vibração que capturasse a essência única das paisagens subterrâneas. "Os desenhos foram surgindo como descobertas, sempre uma surpresa para mim também. Isso me instiga muito a seguir produzindo, porque sempre quero saber o que virá", complementa a artista, ressaltando a espontaneidade que permeou todo o processo.

Além disso, o uso de cores intensas e de uma estética excêntrica marca uma ruptura com as abordagens mais sombrias de edições anteriores do livro. Sobre essa escolha, Helena reflete: "Vejo a possibilidade de ilustrar um livro muito além de um trabalho comercial, e sim uma oportunidade de pesquisa. Antes de desenhar para Viagem ao Centro da Terra, fui convidada para produzir para O Sonho de um Homem Ridículo, de Dostoiévski. Vejo uma conexão muito forte entre os títulos que, de acordo com minha interpretação, se referem aos atravessamentos da espiritualidade e da fantasia, temas pilares de minha produção de ateliê."
Essa conexão com o universo da imaginação e da transcendência foi essencial para criar uma ponte entre o texto de Verne e um olhar contemporâneo. "Acredito que essas escolhas vêm com esse ponto de contato", afirma. No entanto, o trabalho também trouxe seus desafios. Entre eles, a dificuldade de selecionar os elementos que seriam ilustrados. "Com certeza o maior desafio foi escolher quais partes do livro escolheria para instigar o trabalho, pois tudo me parecia muito estimulante." Sobre retratar os elementos fantásticos, como cogumelos gigantes, mares interiores iluminados por luzes minerais e animais jurássicos, Helena pondera:
"Não gosto muito da palavra representar, porque pode trazer a ideia de que, com os desenhos, quero explicar algo que está no texto. Gosto da perspectiva de entrar em contato com o que está escrito para desenhar em um encontro especial que conecta meu corpo, meus materiais e as referências. É uma orquestra."
Entre os personagens da obra, o professor Otto Lidenbrock teve um significado especial para Helena. Inspirada pela descrição do excêntrico cientista, ela fez uma homenagem pessoal ao conectá-lo à figura de seu pai, Ruy Obersteiner.

"Ao ler a descrição do professor Otto Lidenbrock, lembrei de meu pai. Ele começou a fazer cerâmica aos sessenta anos, realizando diversos processos experimentais ousados e curiosos com o barro, desenvolvendo um trabalho de peças a partir da mescla de argilas de diferentes cores. Para mim, ambos investigam as camadas da Terra."
Helena convidou o pai para posar enquanto desenhava o personagem. "Se fosse um filme e eu a diretora, ele seria escalado como professor", revela. Essa escolha pessoal reforça as camadas emocionais de sua interpretação da obra.
O século XIX foi um período de intensas descobertas científicas, mas também de mistérios e especulações. Áreas como a geologia, a paleontologia e a vulcanologia estavam repletas de perguntas sem resposta. Com habilidade única, Verne transformava teorias científicas em histórias cativantes, baseando-se em hipóteses da época, como a possível existência de cavidades subterrâneas habitadas por seres extintos. Ele combinava imaginação poética com um rigor científico que buscava cativar e educar. Helena também explorou essa tensão entre ciência e criatividade em suas ilustrações. "Me inspirei muito na ideia de que adentrar a Terra poderia ser também uma metáfora para acessar nosso interior, uma investigação a respeito de quem somos e nossa relação com o tempo. A tensão entre imaginação e ciência presente na obra é algo que vejo muito presente nos dias de hoje. Enxergo essa jornada ao centro da Terra também como uma exploração de camadas da consciência, da nossa conexão com o planeta."

A edição ilustrada da editora Antofágica é também um exemplo de como reimaginar clássicos pode atrair novos públicos, especialmente os jovens leitores. Helena acredita que essa reinterpretação vai além de preservar um texto.
"A reimaginação de clássicos através de novas edições ilustradas pode ser um ato político que mantém essas obras vivas no presente. Não se trata apenas de preservar um texto, mas de questionar sua relevância hoje, ampliando suas possibilidades interpretativas."
Para ela, a arte pode criar pontes entre diferentes temporalidades e estéticas. "As edições ilustradas permitem que os jovens se apropriem dessas narrativas a partir de suas próprias referências culturais e estéticas. É um convite para que se sintam autorizados a dialogar com essas obras, transformando-as e sendo transformados por elas, em vez de apenas reverenciá-las como monumentos intocáveis do passado."
Por fim, Helena espera que suas ilustrações estimulem os leitores a explorar o desconhecido de formas inesperadas. "Gostaria que percebessem que os desenhos não são meras representações da narrativa, mas uma interpretação pessoal que se abre para o diálogo. Espero que entendam que não estamos diante de uma pretensa interpretação definitiva, mas sim um convite ao pensamento." Essa abertura para o diálogo é também um convite à criatividade:
"Que as imperfeições e gestos espontâneos presentes nos desenhos os encorajem a também se arriscar em seus próprios processos criativos."

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