João Fenerich e a força de um tempo que se dobra
- Carlos Mossmann
- há 22 horas
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Com dois trabalhos premiados, o ator revela maturidade, risco e uma presença que redesenha o próprio futuro

Antes mesmo de Pedro ganhar existência no papel, João Fenerich já intuía a inquietação que atravessaria aquele homem confrontado com sua própria imagem em outra dobra de tempo. A percepção não era acaso. Em 2025, ano em que completa uma década de carreira, o ator vive um momento decisivo, impulsionado pelo impacto de “Consequências Paralelas”, longa que protagoniza e coproduz, hoje um dos filmes de ficção científica mais premiados da recente safra do cinema brasileiro. O título acumula 19 prêmios, 21 seleções oficiais em festivais nacionais e internacionais e presença confirmada na mostra de longas brasileiros do Festival de Cinema de São Bernardo do Campo.
Dirigido e roteirizado por CD Vallada e Gabriel França, o filme é um thriller psicológico que atravessa amizade, livre-arbítrio e a impossibilidade de reescrever escolhas, mesmo quando o tempo se apresenta como artifício. A narrativa acompanha Max, interpretado por Felipe Hintze, e o casal Pedro e Bruna, vividos por João Fenerich e Carol Macedo. A descoberta de uma improvável máquina do tempo leva os três amigos de uma inocente curiosidade à completa ruptura quando Pedro, sem explicação aparente, passa a nutrir um desejo visceral de matar Max.
Fenerich delineia Pedro com precisão quase literária. “Pedro é um galã egocêntrico, casado com Bruna, e mantém uma amizade real com Max. Ele tem um grande coração por quem ama. Mas as amizades nem sempre cheiram flores. Depois de um acontecimento atípico, Pedro se revela ainda mais competitivo, a ponto de o desejo de vingança deturpar seu caráter. Com um ego frágil, passa a se enxergar como a vítima da história. Pedro é passional e fervoroso.”
Filmado no início de 2022, em uma fazenda no interior de São Paulo, o longa exigiu uma preparação concentrada e intensa. “Foram seis dias de filmagem, com dois de ensaio e três de preparação. Tudo muito concentrado, muito intenso.”

Mas o excelente momento do artista não se encerra ali. Em novembro, ele conquistou seu primeiro prêmio de Melhor Ator no San Luis Film Festival, no Arizona, pela atuação no curta “Escolhidos”, dirigido por Pablo Garcia e escrito por Tiago Pessoa. No filme, divide cena com Mariana Faloppa, sua esposa na trama, além de Felipe Lacerda, André Di Paulo e Marcela Arribet.
“É a primeira vez que recebo um prêmio como melhor ator. Não estava esperando. O mais bonito é ver essa história repercutir pelo mundo. Essa indicação nasce de uma parceria de cena com confiança, respeito e entrega. Divido muito essa vitória com a Mariana Faloppa.”
Se em “Consequências Paralelas” Fenerich investiga as rachaduras do livre-arbítrio, em “Escolhidos” encara a violência que atravessa famílias homoafetivas no Brasil. Para ele, os dois projetos se encontram em um mesmo território ético e emocional: o enfrentamento do que fere. “Essas histórias obrigam a sociedade a se olhar no espelho. É a força de contar histórias que cobram responsabilidade e ampliam o espaço para acolhimento e dignidade.”

Ao longo da carreira, João interpretou outros personagens LGBTQIAPN+, como Cláudio Mesquita na série “Betinho: No Fio da Navalha”, da Globoplay, e Marcelo na peça “O Encontro das Águas”, de Sérgio Roveri.
“Interpretar o Cláudio, marido de Herbert Daniel, vivido pelo Ed Moraes, me fez entender a dimensão da coragem, do afeto e da resistência que sustentam essa história.”
Esse conjunto de trabalhos revela um arco artístico maduro. O ator transita por narrativas que tensionam moral, tempo, afeto e identidade, encontrando nelas não apenas desafios técnicos, mas um território emocional que o refina como intérprete. Embora distintos, os dois projetos dialogam no essencial: a busca por compreender o que fazemos com aquilo que sentimos.
Com dez anos de carreira, João Fenerich não busca a estabilidade, mas o risco. O reconhecimento internacional, o rigor das escolhas e a entrega a histórias que provocam e transformam sugerem que sua trajetória está apenas se reorganizando, como se uma nova linha do tempo se abrisse sob seus passos.









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