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A cadeira que acende encontros

Da intimidade do ateliê à Casa Arlette, a Cadeira Azul de Helena Kozuchowicz transforma conversa em retrato e faz do erro o caminho mais curto até a presença


Helena Kozuchowicz
Helena Kozuchowicz | Foto: Guilherme Echeverria

Alguns pintam rostos; Helena Kozuchowicz pinta encontros. Quando a entrevistei, ela ainda recebia os convidados no ateliê, pincel em uma mão, escuta na outra, enquanto a Cadeira Azul organizava o espaço e o tempo da conversa. À primeira vista, o dispositivo cênico parece simples: um assento, um corpo, uma conversa. Logo se percebe, porém, que ali se monta um teatro de presenças, onde o silêncio fala, a cor guarda memória e o erro funciona como oráculo. Agora, essa experiência transbordou as paredes do ateliê: na exposição em cartaz na Casa Arlette, a artista reúne pintura, vídeo e fotografia para recompor a atmosfera desses rituais, com o tempo convertido em pigmento, respiração e gesto.


Para Helena, o erro é um deslocamento que abre frestas ao inesperado. Ela o entende ora como desobediência, ora como revelação, e nele encontra a verdade do retrato. “O erro na pintura nunca é acidente puro. É um deslocamento: às vezes desobediência, às vezes revelação.” O episódio com Gregório Duvivier tornou-se emblema: o olho direito não foi pintado, permaneceu um traço. O acaso devolveu Camões à conversa, conectando a obra do retratado à língua portuguesa que habita seu ofício. Na visão de Helena, coincidência não era o nome daquele encontro entre palavra e imagem. “Eu diria que não existe coincidência.


Gregório Duvivier por Helena Kozuchowicz
Gregório Duvivier por Helena Kozuchowicz | Foto: Divulgação

Entre fala e figura, ela confia na presença que antecede o discurso. Há encontros em que o silêncio pinta mais do que qualquer frase: o corpo fala, a atmosfera se adensa e, nesse vazio sutil, o retrato encontra contorno. A delicadeza abre a porta, mas a verdade chega quando a pintura cessa a necessidade de agradar e registra tensões, não polimentos.


“A fidelidade do encontro está justamente em deixar que essa tensão apareça no retrato.”

A Cadeira Azul é porto, personagem e feitiço cromático. Acolhe quem chega, sustenta uma identidade própria e altera a ordem do tempo, deslocando a conversa do centro para um ponto oblíquo. Mudanças de cor ou forma mexeriam primeiro no ritmo e na confiança, pois a cadeira carrega um pacto invisível de presença que se rompe com pequenas variações.


Helena Kozuchowicz
Helena Kozuchowicz | Foto: Divulgação

Sua formação em arquitetura funciona como base silenciosa de composição e de olhar espacial. O desenho calculado, contudo, encontra na pintura o gesto arriscado, vivo, capaz de desmontar a estrutura. O quadro nasce justamente do atrito entre rigor e desordem.


As geografias moldam a paleta por dentro. Brooklyn, São Paulo e Rio aparecem como modos de estar, não como cenários. As estações se insinuam nas escolhas cromáticas: verões mais livres e solares; invernos mais íntimos e recolhidos. No Rio, encontros ao ar livre voltam à tela com temperatura própria, rumor e luz.


Alguns artistas sentam-se, invisíveis, ao lado dela. De Alice Neel, a coragem da frontalidade; de Lucian Freud, a densidade da carne; de Marlene Dumas, a liberdade da mancha; de Egon Schiele, a tensão do corpo e da linha; de Alberto Giacometti, a insistência do traço. Com Francis Bacon, mantém um desacordo fértil: admira a potência e a deformação, sem levar a violência ao limite.


Paolla Oliveira por Helena Kozuchowicz
Paolla Oliveira por Helena Kozuchowicz | Foto: Divulgação

Na Casa Arlette, Helena deseja que o visitante atravesse o clima dos encontros. Um vídeo devolve trechos de conversas, enquanto os retratos silenciam lado a lado, em diálogo. Fotografias reconstituem o contexto vivo de cada sessão. Nada se sobrepõe; tudo se complementa. A pintura respira; o som devolve cadência; o público circula entre tempos que se entrecruzam.


No contexto da cena carioca, a série se alinha aos debates atuais sobre retrato, presença e performance. Em meio a práticas expandidas que misturam imagem, som e corpo, a Cadeira Azul propõe um retrato-processo, em que a escuta partilhada substitui a pose e a presença do outro se constrói na fricção entre palavra e gesto. Ao transformar o ateliê em espaço de rito e a sala expositiva em campo de ecos, Helena participa de uma discussão mais ampla no Rio sobre como ver, ouvir e encenar o encontro.


“Presença” é cadência, modo de ocupar o espaço, arquitetura do olhar. Reconhece-se quando chega e dispensa esforço. A pintura, então, não precisa correr atrás. O encontro já está dado.”

Caio Blat por Helena Kozuchowicz
Caio Blat por Helena Kozuchowicz | Foto: Divulgação

Ao longo de três dezenas de retratos, oriundos de artes e ofícios diversos, Helena busca faíscas e cruzamentos improváveis: quando um ator pensa como pintor, um músico projeta como arquiteto, uma pintora se descobre performer. A pergunta inaugural acende o pavio: “Qual foi a faísca que a levou a seguir o caminho que escolheu?” As conversas torcem a paleta no meio do retrato; a cor escuta e responde. O conjunto não ilustra biografias: revela combustões.


Entre pincel e pausa, Helena captura o instante em que o outro acontece, quando um gesto revela uma história, um olhar inaugura uma presença e o cotidiano se abre, de súbito, para o enigma do encontro.


João Vicente por Helena Kozuchowicz
João Vicente por Helena Kozuchowicz | Foto: Divulgação

Sobre a artista: Helena Kozuchowicz (1992, São Paulo, Brasil) vive e trabalha no Brooklyn, Nova York. Arquiteta pela Escola da Cidade, FAU SP, com período na Escola Politécnica da Catalunha, Barcelona (2016), é mestre em Belas Artes pela New York Academy of Art (2024). Entre as exposições, destacam-se: Moving, Wilkinson Gallery, NYC (2023); Aos Retratos, The Salon, NYC (2024); e sua primeira individual, Presença, no Consulado Brasileiro de Nova York (2024). Seu trabalho transita entre desenho e pintura. Reconhecida pelo traço fluido e gestos ousados, Helena compõe cenas de figuras e encontros cotidianos que, quase sempre, passam ao largo do nosso olhar. Em suas imagens, o prosaico se abre ao poético, e o íntimo encontra o universal. Atualmente está no Rio de Janeiro, na Casa Arlette, onde apresentou o projeto Cadeira Azul sob curadoria de Vanda Klabin. Na residência, retratou nomes como Carlos Vergara, Dira Paes, José Bechara, Caio Blat, Alice Caymmi, Marcos Palmeira, Antonio Grassi, Luis Miranda, Ingrid Guimarães, Hamilton de Holanda, Zé Ricardo, Flávia Oliveira, Paolla Oliveira, Jeane Terra, Thomaz Azulay, João Vicente, Hélio de la Peña, Matheus Senra, Patricia Quentel, Mariana Ximenes, Gregorio Duvivier e Flávia Dalla. Cada retrato foi acompanhado de conversas com a artista e registrado por uma produtora, transformando o processo em documento artístico.


Visite o trabalho de Helena: https://www.helenakozuchowicz.com

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